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19 de Abril de 2024

STJ – Impenhorabilidade do bem de família não prevalece em alienação fiduciária

Publicado por Jair Rabelo
há 4 anos

Fonte: blog DIREITO das COISAS

REsp nº 1.559.348 - DF (2015/0245983-2)

EMENTA: RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/1973. NÃO OCORRÊNCIA. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. TRANSMISSÃO CONDICIONAL DA PROPRIEDADE. BEM DE FAMÍLIA DADO EM GARANTIA. VALIDADE DA GARANTIA. VEDAÇÃO AO COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO. 1. Não há falar em omissão ou contradição do acórdão recorrido se as questões pertinentes ao litígio foram solucionadas, ainda que sob entendimento diverso do perfilhado pela parte. 2. O incidente de uniformização de jurisprudência não se confunde com a irresignação recursal, ostentando caráter preventivo. Daí por que o seu processamento depende da análise de conveniência e oportunidade do relator e deve ser requerido antes do julgamento do apelo nobre. 3. A jurisprudência desta Corte reconhece que a proteção legal conferida ao bem de família pela Lei n. 8.009/90 não pode ser afastada por renúncia do devedor ao privilégio, pois é princípio de ordem pública, prevalente sobre a vontade manifestada. 4. A regra de impenhorabilidade aplica-se às situações de uso regular do direito. O abuso do direito de propriedade, a fraude e a má-fé do proprietário devem ser reprimidos, tornando ineficaz a norma protetiva, que não pode tolerar e premiar a atuação do agente em desconformidade com o ordenamento jurídico. 5. A propriedade fiduciária consiste na transmissão condicional daquele direito, convencionada entre o alienante (fiduciante), que transmite a propriedade, e o adquirente (fiduciário), que dará ao bem a destinação específica, quando implementada na condição ou para o fim de determinado termo. 6. Vencida e não paga, no todo em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á a propriedade do imóvel em nome do fiduciário, consequência ulterior, prevista, inclusive, na legislação de regência. 7. Sendo a alienante pessoa dotada de capacidade civil, que livremente optou por dar seu único imóvel, residencial, em garantia a um contrato de mútuo favorecedor de pessoa diversa, empresa jurídica da qual é única sócia, não se admite a proteção irrestrita do bem de família se esse amparo significar o alijamento da garantia após o inadimplemento do débito, contrariando a ética e a boa-fé, indispensáveis em todas as relações negociais. 8. Recurso especial não provido. (grifei)

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A controvérsia consistiu em definir a possibilidade de consolidação da propriedade de imóvel - bem de família - dado, voluntariamente, em garantia de alienação fiduciária realizada em contrato de empréstimo com o Banco.

A Lei n. 8.009/1990, que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família, é sabidamente caraterizada como de ordem pública e interesse social, evidenciando apreço normativo com as estruturas sociais, com vista à limitação do exercício de interesses particulares. Com efeito, seu art. 1º estabelece que

o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas na Lei.

Assim, não se admite a renúncia à proteção conferida ao bem de família sempre que o proveito não se tenha revertido em favor da entidade familiar.

O STJ considera nula qualquer cláusula contratual pela qual o devedor renuncie ao benefício legal da impenhorabilidade.

No entanto, ainda que partindo dessas premissas, cumpre mencionar que o STJ já teve a oportunidade de ressaltar, em alguns julgamentos cujo objeto era a impenhorabilidade do bem de família, que a utilização abusiva desse direito, com violação do princípio da boa-fé objetiva, não deve ser tolerada, afastando-se o benefício conferido ao titular que exerce o direito em desconformidade com o ordenamento jurídico.

Um dos princípios fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro é o da boa-fé objetiva que deve reger todas as relações jurídicas, de modo que nenhum ato, contrato ou direito pode ser exercido sem observância deste princípio.

É nesse contexto que deve ser examinada a regra de impenhorabilidade do art. da Lei 8.009/90, que, antes de ser absoluta, comporta temperamentos ditados pelo princípio da boa-fé objetiva.

Quando o patrimônio do devedor é alienado de maneira fraudulenta no curso da execução, por exemplo, é difícil admitir que possa ele se escudar na regra protetiva de impenhorabilidade do bem de família.

A regra de impenhorabilidade aplica-se às situações de uso regular do direito. O abuso do direito de propriedade, a fraude e a má-fé do proprietário conduzem à ineficácia da norma protetiva, que não pode conviver, tolerar e premiar a atuação do agente em desconformidade com o ordenamento jurídico.

Firme nesse entendimento, também o STJ já reconheceu que a proteção conferida ao bem de família deve sempre levar em consideração a conduta dos respectivos beneficiários, sendo determinante a constatação da boa-fé do devedor para que se possa socorrer do favor legal, devendo ser reprimidos quaisquer atos tendentes a tumultuar o trâmite dos processos de cobrança.

Acerca da matéria, por oportuno, extrai-se da lição de Melhim Chalhub que

a propriedade fiduciária tem origem em negócio jurídico de transmissão condicional, pelo qual o alienante (fiduciante) convenciona a transmissão da propriedade resolúvel de certo bem para que o adquirente (fiduciário) dê a ele uma destinação específica e, mediante implemento de certa condição ou ao fim de determinado termo, restitua-a ou a transmita a um terceiro indicado pelo alienante (fiduciante).(Alienação fiduciária de bens imóveis. 20 anos de vigência da Lei 9.514/1997. Revista de Direito Imobiliário. vol. 84. ano 41. pp. 495-531. São Paulo: Ed. RT, jan.-jun. 2018).

Desse modo, considerando que, no caso dos autos, o acordo de vontades foi validamente firmado e, ainda, que inexistente prova de vícios de consentimento, não há lastro para excluir os efeitos do pacta sunt servanda sobre o contrato acessório de alienação fiduciária em garantia.

Ora, sendo as recorrentes pessoas dotadas de capacidade civil, que livremente optaram por dar seu único imóvel, residencial, em garantia a um contrato de mútuo favorecedor de pessoa diversa, empresa jurídica da qual uma das recorrentes é única sócia, não lhes é permitido contrariar seu comportamento anterior pretendendo alijar a garantia no momento em que deixaram de adimplir o débito.

É que, como se sabe, a boa-fé contratual é cláusula geral imposta pelo Código Civil, que impõe aos contratantes o dever de honrar com o pactuado e cumprir com as expectativas anteriormente criadas pela sua própria conduta.

A questão da proteção indiscriminada do bem de família ganha novas luzes quando confrontada com condutas que vão de encontro à própria ética e à boa-fé, que devem permear todas as relações negociais.

Não pode o devedor ofertar bem em garantia que é sabidamente residência familiar para, posteriormente, vir a informar que tal garantia não encontra respaldo legal, pugnando pela sua exclusão (vedação ao comportamento contraditório).

Tem-se, assim, a ponderação da proteção irrestrita ao bem de família, tendo em vista a necessidade de se vedar, também, as atitudes que atentem contra a boa-fé e a eticidade, ínsitas às relações negociais.

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